O
CD é um meio barato e muito fácil de reproduzir. A cópia caseira do LP era a
precária fita cassete; a do CD é outro CD da mesma natureza do original. Os
meios de gravação também foram muito barateados: hoje em dia, qualquer um pode
ter em casa, por um preço razoável, recursos muito mais poderosos do que
aqueles de que os Beatles dispunham na década de 60. E o mais importante: a
diferença entre uma gravação caseira e uma profissional vai se tornando
progressivamente imperceptível. À primeira vista, esse é um fator positivo:
muito mais música pode ser produzida, de maior qualidade e mais
democraticamente. Mas a cadeia que leva ao produto final é demasiado longa,
dispersa e anônima. Depende em grande parte de recursos já programados que o
mercado produz a jato contínuo.
As
técnicas de estúdio da época de ouro do LP tinham algo de artesanal: soluções
sonoras eram inventadas na hora ou experimentadas ali pela primeira vez. Os
meios analógicos ainda podiam ser manipulados de forma bastante semelhante aos
instrumentos – mudando a posição dos microfones e dos alto-falantes,
distorcendo, saturando. A tecnologia digital, ao contrário, tende a ser um
sistema de múltipla escolha, em que o músico é chamado a optar entre um leque
muito amplo de possibilidades já fornecidas por softwares. A criatividade não
desaparece, mas está muito mais na combinação de soluções já dadas do que na
invenção de soluções novas. Os programadores que fornecem novos recursos não
têm responsabilidade direta sobre o resultado musical da gravação; por outro
lado, os músicos não têm, em geral, conhecimentos de informática
suficientemente aprofundados para ir até as raízes do som digital. A figura do
grande arranjador e diretor de estúdio – gente como George Martin e, um pouco
mais tarde, Quincy Jones – tende a desaparecer. Hoje não faria mais sentido uma
gravadora investir cinco meses de trabalho e 700 horas de estúdio num único
disco, como foi o caso de Sgt. Pepper’s. Estamos próximos da época em que todo
mundo poderá produzir sua própria música. Mas em que, justamente por isso,
todas as músicas serão igualmente irrelevantes.
Em
suma, a gravação digital não mais permite aqueles momentos de apropriação
anárquica dos meios de produção industrial que constituem o sentido profundo
das grandes produções musicais da época de ouro. A descrição de sessões de
gravação dos discos de jazz, pop e rock mais famosos constitui quase um gênero
narrativo à parte, que povoa encartes e documentários e, às vezes, adquire
acentos faustianos: verdadeiras viagens ao término da noite (Exile on Main St,
dos Rolling Stones); ou criação ex novo de um paraíso do entertainment (mas sem
dispensar Mefistófeles: Thriller, de Michael Jackson). A gulodice sonora dos
Beatles era a de uma criança que abre um brinquedo para ver o que tem dentro e
depois o remonta de outro jeito. Mas dentro do meio digital não há nada que
possa ser desmontado sem conhecimentos muito específicos.
A
partir da década de 80, o consumismo perdeu toda valência revolucionária.
Gostar de uma coisa ou de outra, adquirir uma coisa ou outra se tornou
irrelevante do ponto de vista ideológico. Até os movimentos sociais recentes,
quando existem, não parecem muito interessados em desenvolver uma estética
própria, nem no vestuário, nem na produção gráfica (com poucas e esporádicas
exceções), nem na música. Não geram novos comportamentos. Os movimentos da
década de 60 eram exibidos, espalhafatosos. Os que se organizam em rede prezam
a ocultação e o anonimato. Numa sociedade inteiramente filmada, a rebelião é
fugir das câmaras (e, em revide, filmar o adversário).
Não
espanta, então, que também a escuta da música, vencida a frágil resistência do
CD, tenha se refugiado na rede. Mas isso tem consequências estéticas que é
importante avaliar. A primeira é o fim da organização sequencial das faixas.
Escolhe-se uma canção por vez, e o mecanismo de busca se encarrega de indicar
outras composições próximas (“Se você gostou dessa música, também vai gostar
dessa outra”). É um critério meramente estatístico, que não permite a
construção de universos originais e complexos. Dificilmente, por esses meios,
Dear Prudence seria associada a Revolution 9. Uma poética baseada na livre
associação de estilos diferentes necessita de um ouvinte que escute a sequência
inteira, ou pelo menos a reconheça como unidade. Mas a internet não tem
contornos: nela, cada faixa emerge de uma totalidade indeterminada, e nela
volta a afundar.
Em
segundo lugar, com o encolhimento das vendas das gravadoras e dos recursos das
rádios, a fonte principal de lucro voltou a ser o concerto ao vivo. No campo da
música erudita, por exemplo, as encomendas de corpos estáveis tradicionais
(orquestras sinfônicas, teatros de ópera, conjuntos de câmara com orgânico
fixo) são mais uma vez determinantes para a carreira de um compositor. Mas isso
significa compor para formações mais tradicionais ou, em todo caso,
predeterminadas.
Quanto
à música popular, a volta ao concerto ao vivo não é certamente um retorno a
formas de socialização anteriores ao registro mecânico. O que é revertido para
o palco é a visualidade do videoclipe, que originalmente era um veículo de
divulgação do disco. Aquilo que era propaganda se torna produto, e a música
tende a se tornar o jingle de si mesma. Madonna talvez tenha sido a primeira a
orientar o sistema produtivo inaugurado por Michael Jackson para um privilégio
absoluto da imagem performática sobre o conteúdo musical (em Michael Jackson,
ao contrário, música, imagem e dança eram todas igualmente significativas).
Há
ainda outro fenômeno, bastante curioso: o revival, por parte de um setor
minoritário, mas culturalmente consistente da música popular, da gravação em
vinil. Em si, o meio é claramente obsoleto, incômodo e caro em relação ao que a
tecnologia atual coloca à disposição. Pode ser apenas uma moda passageira. Mas
talvez essa retomada se justifique pela força de um prestígio e de uma
qualidade considerados insubstituíveis, e, portanto, impermeáveis a qualquer
avanço técnico – como o piano de cauda em relação a qualquer teclado ou a
pintura a óleo em relação a qualquer plotagem. Quase sempre, um gênero ou uma
técnica adquirem plenamente o estatuto de grande arte quando desaparece seu
contexto original e sua própria necessidade produtiva. Talvez estejamos
adquirindo a consciência tardia de que o LP não foi apenas um suporte, mas uma
forma artística. Como a sinfonia e o romance.
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